quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Reformulação de sentidos nas colagens de Angela Miracema, exposição apresentada no Museu de Arte Contemporânea de MS, setembro/outubro de 2015

Colagem de Angela Miracema
Diversos recursos de linguagem são usados pelos artistas para potencializar os processos de criação e evidenciar suas ideias e interpretações a respeito dos assuntos e fatos que nos envolvem diariamente. Pintura, desenho, gravura, colagem, instalação, entre outros, são procedimentos que articulam o pensamento artístico e colocam em evidência o jogo de representação que reposiciona as relações entre superfície, plano, espaço e matéria.

No caso dessa exposição, o procedimento adotado é a colagem, cujo processo se inicia na coleta de recortes/materiais que irão compor a paleta de cores e texturas que determinarão a direção tonal de cada trabalho. Escolher a imagem e definir onde ela será fixada requer paciência e delicadeza na busca do encaixe perfeito de cada peça.

Nas colagens de Angela Miracema as ideias podem ser evidenciadas pelo arranjo de imagens que são combinadas sistematicamente num esquema de aproximação e sobreposição de figuras, operando um recurso visual que determina o sentido narrativo dos trabalhos.

Em algumas obras, agrupamentos de formas e cores vibrantes podem criar ritmo frenético na composição e dar um aspecto psicodélico. Noutras, o contraponto entre recortes de dimensões diversas, posicionados estrategicamente, proporcionam as pausas visuais necessárias para acomodar o olhar do observador.

As colagens não explicitam de imediato os assuntos de que tratam, mas, na observação atenta aos detalhes podemos perceber os interesses que motivaram a construção de cada trabalho. Alguns temas podem ser percebidos em função da similaridade ou repetição das imagens utilizadas, cabendo ao observador estabelecer as conexões. Colagens sobre papel e madeira e objetos-colagens são variações possíveis para corresponder ao enunciado da mostra Mural dos sonhos ou emergência dos desejos.

No mural estético de Angela Miracema os fragmentos de imagens não mais representam a função que os caracterizou a priori. Nessas propostas eles são reordenados como superfícies de cor e estabelecem relações cromáticas que dissociam as formas de interpretação que tentamos aplicar às obras.

O valor simbólico da colagem está na proposição do deslocamento perceptivo entre o que vemos e o que conseguimos relacionar a partir disso. A deposição dos planos, um dos fundamentos do movimento cubista que adotou a colagem como outro ponto de inflexão da superfície expressiva, no início do século XX, é recurso necessário para a apropriação de imagens e reformulação de seus sentidos.

A visualidade elaborada nas colagens de Angela Miracema utiliza como matéria-prima recortes de revistas, jornais, papéis diversos, tecidos, objetos, entre outros, propondo uma estrutura cenográfica onde os sentidos correspondem ao fluxo visual que combina as referências óticas e materiais que são excessivamente disponibilizadas e consumidas no nosso cotidiano.


Rafael Maldonado*
setembro/2015



*professor no curso Artes Visuais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, atua como curador independente.