quinta-feira, 25 de abril de 2013

Texto de Arianne de Lima sobre o Salão de Arte de MS, apresentado no Museu de Arte Contemporânea de MS, de novembro de 2012 a fevereiro de 2013

Coletivo Vânia Jucá & Daniel Guazina. Pronto para consumir - orgânico, 2012. Impressão fotográfica

Salão de Arte de MS – Edição 2012

             O que é arte atualmente? Quando os pintores renascentistas retratavam com realismo o que viam, sem dúvida eram autores de obras- primas, mas e hoje, quando um cidadão mesmo não sabendo desenhar é considerado artista?
             As respostas a essas indagações se encontram exatamente nesta mostra, onde as obras não parecem ter qualidade ou “a imaginação criativa passou dos limites irreais, tornando-se efêmera”. Não desmerecendo os artistas escolhidos, pois os curadores viram algo de especial neles, porém a arte de hoje chegou a um estágio que extrapola o nosso bom senso.
             Como exemplo, há um par de quadros onde são retratados um cão defecando e outro tendo relação sexual. Agora como entender tal mensagem? Aos que entenderam mil desculpas, mas não consigo chamar de arte algo que cause desconforto e asco, em vez de causar uma inquietação e reflexão positivas.

                                   O corpo humano e a sua consumação
           Diante desse dilema no qual me encontrei, a obra que chamou minha atenção e que se tornou significativa foi o Coletivo Vânia Jucá & Daniel Guazina – Pronto para consumir (in natura, orgânico e industrializado). Numa primeira impressão é tida como pervertida por ter um homem e uma mulher nus, mas convenhamos quem nunca se viu nu na vida? Se não todos os dias? São apenas corpos como os nossos.
             Lendo os títulos e relacionando com as fotografias (in natura – homem e mulher nus, orgânico – homem e mulher plastificados e industrializados – homem e mulher envolvidos por um papel metalizado, aqueles usados na cozinha), vem à tona uma segunda impressão, trata-se do corpo humano ou da comida? Certamente os autores quiseram relacionar o fato de atualmente o corpo humano, antigamente um bem sagrado, ser desvalorizado pelo próximo e pelo seu próprio detentor. Em certos casos ou o vendendo, ou o maltratando ou o tratando bem com os alimentos consumidos na sociedade moderna (os orgânicos - também como os naturais, o fast food e as comidas rápidas).
             Analisando mais profundamente, se realmente quiseram falar do fast food e de alimentos em geral, os modelos têm corpos perfeitos, e aí entra outra questão, o que é belo hoje? Os corpos esculturais dotados de perfeição? Os corpos com gorduras aparentes? A magreza extrema? Os que possuem tatuagens? Os que fizeram cirurgia plástica? E pelo fato de tratar da imagem, lembro-me do livro O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde, livro no qual o personagem principal - Dorian - era lindo e não tinha consciência de tal dote. Até que ele é presenteado com um retrato seu, para o qual posou. Ele fica tão fascinado que diz dar a própria alma para que ficasse sempre jovem, assim como o quadro. Até que chega um momento em que o retrato de Dorian torna-se o reflexo de sua alma, ou seja, o quadro envelhecia em seu lugar. Como nesse livro percebo que o mundo a cada dia que passa, torna-se mais parecido com Dorian (extremamente narcisista a ponto de causar sua própria destruição).
             Num momento onde a privacidade parece desrespeitada, pergunto se eles não se envergonharam ao posarem nus para as fotos, podemos até ter vergonha de expor nosso corpo (ao menos a maioria tem), mas não nos intimidamos de divulgar praticamente tudo o que nos acontece na internet, desde “quebrei meu pé direito” a “em um relacionamento sério”, onde está a privacidade?
             Até que notei a posição de suas cabeças (olhando para baixo ou para o seu corpo) e pensei “eles parecem conscientes de sua situação”. E o mesmo ocorre conosco, quando nos tornamos acomodados diante de algo que nos acontece e que queríamos que fosse diferente, porém nem tentamos mudar, será tão difícil tomar atitudes em relação à vida? Ao nosso próprio corpo? Somos tão impotentes quanto parecemos ser?
             Vânia Jucá e Daniel Guazina conseguiram alcançar seu objetivo, e pesquisando sobre a obra, vi que se trata de uma metalinguagem, ou seja, as fotografias foram tiradas de outras, o que contribui ainda mais para sua significação. Diante de toda essa reflexão concordo com David Hume quando ele relativiza a beleza, segundo ele, fruto do sentimento despertado em um indivíduo, o popular “gosto não se discute”.  
             O mesmo se aplica às artes quanto ao fato de dizer se uma obra é ou não considerada arte ou mesmo bela. Estamos vivendo num momento onde o fazer artístico não pode ser rotulado ou definido, mas acho que o exagero como em tudo na vida, pode causar danos, quem sabe irreversíveis.


Arianne de Lima é acadêmica do curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. O texto foi produzido como trabalho da disciplina Fundamentos da Linguagem Visual, ministrada pelo professor Rafael Maldonado.